18.3.08

procissão de domingo de ramos

Não fui ver a procissão do domingo de ramos; preferi desviar-me dos magotes de pessoas em sobressalto para ver o bento desfile, espalhadas em todos os recantos da pequena cidade, e desfrutar da minha divina porção de condomínio longe das confusões histéricas da veneração.

[Mas já a cidade me incomoda de há uma ou duas semanas para cá: panos roxos e cruzes nos jardins das casas, nas janelas, nas varandas. Mórbido. Alguns ainda requintam o espantalho com ramos de árvores e objectos afins. Patológico. Um verdadeiro incómodo estético (e moral) que ondula nas ruas, nos postes de electricidade e inclusive nos fios pendurados aleatoriamente por aí…]

A meio da tarde do suave domingo, os hinos da ressurreição chegaram, ainda assim, à minha varanda, invocando o pôr-do-sol. Quem entoava os clamores graves e longos, ampliados por alguma parafernália electrónica, empurrou-me do trabalho para a janela, que fechei para isolar o meu espaço do ronronar poluente e enfadonho das filas de trânsito típicas de hoje e dias iguais.

Fiquei a ouvir apenas os restos da voz murmurando, arrastando-se pelos caminhos do burgo. Quase perto, mas suficientemente longe para não saber decifrar os conteúdos da mensagem anunciada. E assim, entre os vidros e a procissão do domingo de ramos, reproduzi Marraquexe: era o muezzin a chamar para a salat do fim do dia, os minaretes erguidos para o céu a entoar o Corão, e o povo encantado seguindo a encenação.

E aí senti falta de Marrocos inteiro.

Sem comentários: